quinta-feira, 8 de março de 2012

Possível Utopia - CAP.I




CAPÍTULO I


    Ele vivia se metendo em complicações com a lei sempre que realizava seus shows artísticos com implicações políticas, mostrando visões ideais de uma sociedade futura. Suas intenções de solucionar os problemas sociais mudando as estruturas arcaicas, como afirmava, incomodavam sempre os poderes estabelecidos, já que alguns movimentos jovens o seguiam e se mostravam parceiros combativos através das mídias vigentes. Como conseqüência imediata desses eventos, os líderes políticos locais o perseguiam de todas as maneiras possíveis, influenciando em jornais, revistas, televisão e até acionavam a polícia sob o dever de manutenção da ordem, quando seus seguidores marcavam encontros sociais em locais públicos para suas manifestações contra o sistema.  Sua influência e liderança sobre as massas fundamentavam-se principalmente na imagem de uma sociedade mais igualitária, onde não vingavam a exploração econômica, a discriminação, o preconceito, o consumismo e a competição desenfreada.
 Sua pregação era verdadeira utopia para as grandes maiorias capitalistas, mas uma possibilidade real para as minorias pensantes, mais esclarecidas e inconformadas com o atual atraso da humanidade.  Tratava-se do surgimento de um novo tipo de comunidade, onde as estruturas básicas teriam completa mudança, implicando nas relações de família, nas crenças religiosas, nas relações políticas e na utilização do meio ambiente e exploração de recursos naturais. Considerando-se que o mundo atual é como é em razão da grande maioria conservar a corrupção, a ganância, o egoísmo e a busca indiscriminada do poder, é fácil concluir a sensação de ameaça, de perigo e de não aceitação que tais novos ideais sugerem para a contenção gradual do capitalismo selvagem vigente.  Portanto, o divulgador dessas novas promessas passou a ser visto como um perigoso subversivo a ser detido o quanto antes e a qualquer preço, encarado como nocivo à família, à religião e à sociedade em geral.  Nessa época, nosso líder sempre atendia aos convites da mídia para falar sobre sua possível futura comunidade.  Através de entrevistas em jornais, revistas e televisão, agredia os governos, pregava o desrespeito à autoridade inconseqüente e combatia o consumismo e a exploração irresponsável das pessoas e da natureza.
    Qual o segredo para romper com o sistema vigente?  Segundo ele, fundar uma comunidade politicamente autônoma e independente do sistema, em lugar isolado das influências sociais e políticas, com independência para escolher e aceitar suas atividades econômicas e sociais, através de um conselho político e uma escola preparatória para a integração de atividades sociais e econômicas na comunidade.  Nessa nova localidade todos trabalhariam para todos, segundo suas especializações, sem remuneração, mas com direito comum a todas as necessidades básicas e aos bens supérfluos que a nova sociedade pudesse garantir a todos.  Trabalho, alimentação, vestuário, transporte, arte, lazer, saúde, educação, liberdade de expressão e convivência humanitária seriam dever do conselho político para o atendimento de todos na comunidade.  Mas como controlar o ingresso dos capitalistas e seus investimentos, a exploração econômica e as influências políticas?  Para a aceitação das pessoas, elas devem empenhar todos os seus bens junto ao conselho, dele recebendo a permissão para sua adaptação à nova vida através da escola preparatória comunitária, de onde sairá, quando aprovado, com profissão escolhida, moradia, recursos básicos e aceitação social para uma convivência adequada ao novo sistema.  Quem não se adaptar, sempre poderá voltar a sua origem, recebendo de volta os bens empenhados para seu ingresso.  A lei maior na comunidade é respeitar seu próximo, agindo apenas segundo o que seria esperado para si. Tudo aquilo que gostaria de ser feito para você é que será feito para o outro. Os conflitos naturais serão ajustados junto ao conselho comunitário, que decidirá suas ações gerais sempre por consenso. É nesse clima que vamos encontrar o nosso líder, num programa de televisão, respondendo aos questionamentos da equipe entrevistadora composta por um padre católico, um pastor evangélico, uma deputada estadual, uma psicóloga e dois jornalistas, formando uma mesa redonda mais conhecida como “Pinga Fogo”. Dizia o mediador, fazendo a apresentação: - Boa noite a todos!  Entrevistamos nesta noite o Sr. Átila, um músico que vem revolucionando certos grupos com idéias muito particulares, sobre as possíveis transformações da sociedade para a construção de um mundo melhor.  Contamos com a colaboração dos componentes da mesa que vocês já  conhecem, que farão suas perguntas sobre essa nova sociedade pregada pelo nosso entrevistado, como possibilidade de grandes transformações sociais, capazes de tornar o mundo mais feliz, acabando com a pobreza, a ignorância e todos os defeitos humanos que predominam na sociedade capitalista. Fará a primeira pergunta o nosso colega jornalista Marcos Freire.  Fique à vontade. – Gostaria de saber como você conseguiria um local ou região, infraestrutura, leis, organização social, atividades sociais e econômicas, meios de transporte, habitações e principalmente gente para uma sustentação dessa incrível comunidade livre, autônoma e feliz.                                                   – Bem, já venho pregando essas idéias desde que, numa faculdade de economia, me instruíram  sobre a possibilidade de certo número de assinaturas populares serem capazes de motivar o nosso Congresso Nacional a votar uma lei facultando uma experiência piloto em terras devolutas pelo espaço de vinte anos, sem interferência estatal ou federal durante esse tempo. Quanto ao problema da organização social e infraestruturas, habitações, saúde, educação, meios de transporte, segurança e trabalho, tudo seria controlado pelo conselho comunitário, que contaria com os profissionais voluntários locais, e também com os contratados de fora, para os serviços aprovados na comunidade. De início, as atividades agropecuárias se encarregariam das despesas comunitárias e, com o passar do tempo, outras atividades iriam surgindo de acordo com as necessidades. O intercâmbio com países estrangeiros e Estados nacionais, sob nosso controle, análise e administração, se estabeleceria através do Conselho Comunitário, com os acertos e erros de qualquer processo governamental.  É isso...    –E a vinculação com o poder central, o direito de ir e vir, como fica tudo isso? Questionou a deputada. – Pelos vinte anos iniciais não haverá qualquer compromisso com o poder central, mesmo porque os habitantes não possuem renda, nem serão remunerados, características que não interessam ao poder central.  O direito de ir e vir estará assegurado a todos, pois lá não existirá nada a esconder ou a oferecer a quem não passar pela aprovação da  escola preparatória e for aceito como membro comunitário.  Todas as atividades sociais na comunidade serão do conhecimento do conselho e sem remuneração ou contratos, de forma que os possíveis visitantes não teriam como se fixar no local ou como desenvolver qualquer atividade econômica ou social sem a aprovação do conselho. – Ao que interveio o jornalista:    -  Havendo uma possível invasão de desocupados, viciados e parasitas sociais, como seriam tratados na comunidade? – Vejam. Todos os habitantes dependem de um cartão social bancário para todas as suas necessidades que só a eles será dado pelo conselho.  Locomover-se, ir a um hospital, a um cinema ou a um bar, um restaurante ou dormir num hotel ou pensão, tudo isso só será possível com um cartão que estes prováveis invasores não terão.  Ninguém é agressivo, mas a boa conduta pessoal é lei maior na comunidade, muito bem controlada pela segurança local que, é claro, também existirá, já que continuaremos a ser humanos com os erros e as virtudes próprias da espécie. Quem promover a desordem será conduzido de volta ao seu local, se necessário, à força.  Na comunidade haverá regras e leis a serem observadas para que o caos não se estabeleça.  Liberdade total e desregrada não existe em lugar algum e assim será também na comunidade.  O padre interessou-se pelos costumes católicos: - Como ficam as necessidades dos fieis quanto a celebração de casamentos, batizados, missas e procissões?  - Essa questão dos costumes será muito simples na comunidade.  Em princípio os casamentos não serão necessários, nem documentados.  Havendo um desejo de casar de branco numa igreja, com festas e recepções, não haverá qualquer impedimento.  Da mesma forma os batizados, as missas, etc., mas como não haverá pagamentos em dinheiro para esses eventos, duvido muito que as religiões capitalistas queiram passar pela escola preparatória para obterem a permissão de levantar na comunidade as suas igrejas.  Nada disso será proibido, mas duvido muito que a indústria da fé se estabeleça ali, como qualquer outra indústria baseada no lucro.  Todas as crenças serão bem aceitas e respeitadas, apenas não haverá meios de lucrar com os chamados fieis, pois eles só poderão pagar com cartões bancários controlados pelo conselho.  Mas se os religiosos se dispuserem a professar sua fé nessas circunstâncias ninguém será contra.  Se for impossível, então paciência... – Não me parece clara a estratificação social nessa nova comunidade... Como se dividirão as pessoas, os moradores de lá? - As relações sociais mais íntimas dar-se-ão por grau de afinidades, como ocorre normalmente, com a premissa máxima de só fazer aos outros aquilo que esperamos que nos façam. Quem transgredir será julgado pelo conselho e deverá retornar à escola preparatória para uma nova oportunidade de aceitação das regras sociais vigentes. Constatada a inadequação total, o cartão social será cortado e o desajustado conduzido de volta ao capitalismo de onde veio.  Creio mesmo que as camadas mais baixas, privadas de qualquer evolução espiritual não teriam as condições necessárias para, de início, adaptarem-se à nova sociedade. Procurariam a qualquer preço a melhoria de sua situação material, sem a percepção de que só as virtudes morais asseguram uma situação material satisfatória... Mas também haverá aqueles humildes por natureza, de todos os níveis e graus de inteligência, que facilmente se adaptarão ao meio social e constituirão a grande maioria, entre os quais serão eleitos os membros do conselho. Neste ponto interveio a psicóloga: - É claro que o senhor percebe que a organização de todo esse povo, com tão variada estratificação, apenas será possível numa pequena comunidade e mesmo assim sob a ordem legal.  Leis e juízes existirão na comunidade? – É claro que sim!  O capitalismo também tem alguns bons exemplos que poderão ser aperfeiçoados pelo conselho. Tenho lançado a boa semente em faculdades, shows, revistas, jornais e televisões, de sorte que ela já começa a germinar, razão pela qual estou hoje aqui. O início de toda a obra é difícil e trabalhoso e daremos um passo de cada vez.  É preciso paciência, força de vontade e muito desprendimento, além da séria intenção de espalhar em volta o bem-estar ao próximo, valor moral mais alto na comunidade... Os sonhos de modernismos, as ilusões de uma vida de consumo desenfreado, de opulência e desperdício, em prejuízo de grandes maiorias desassistidas e famintas, conforme mostram as mídias capitalistas, tudo isso deverá ser bem pensado para o ingresso na comunidade...  É nesse estado de coisas que vamos encontrar o Átila, deixando o programa de TV onde fora entrevistado.  Contava nessa época com 39 anos e era  divorciado, tendo com sua ex-mulher um casal de filhos. Começara sua vida artística como cantor e instrumentista, já tendo trabalhado em escolas públicas como professor de arte.                        

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